sexta-feira, 29 de outubro de 2010

SONHOS


“O sonho é uma porta estreita, dissimulada no que tem a alma de mais obscuro e de mais íntimo; abre-se sobre a noite original e cósmica que pré formava a alma muito antes da existência da consciência do eu e que a perpetuará até muito além do que possa alcançar a consciência individual.” (L’HOMME à la Découverte de son Âme, C.G.Jung)

Durante a antiguidade e a Idade Média- época que pode ser descrita como pré científica-, os homens não encontravam dificuldade em descobrir uma explicação para os sonhos. Quando se lembravam de um deles após despertarem, encaravam-no como uma manifestação favorável ou hostil de poderes superiores, demoníacos ou divinos. A partir do momento em que modalidades de pensamento vinculadas à ciência natural começaram a florescer, toda essa engenhosa mitologia foi transformada em psicologia. Hoje, apenas uma pequena minoria tem dúvida de que os sonhos são produto da própria mente daquele que sonha.
Desde a rejeição da hipótese mitológica, contudo, os sonhos ficaram sem explicação. Sua origem, sua relação com a vida mental de vigília, sua dependência de estímulos que forçam o caminho até a percepção durante o estado de sono, as muitas peculiaridades de seu conteúdo que repugnam ao pensamento desperto e, por fim, seu caráter transitório e a maneira pela qual o pensamento de vigília os coloca de lado como algo estranho a ele e os mutila ou erradica da memória- todos estes e outros problemas colaterais estiveram aguardando esclarecimento por muitas centenas de anos, sem que nenhuma solução satisfatória fosse apresentada.
A  contribuição pioneira de Freud, ao dirigir sua atenção para os sonhos como indícios de conflitos internos, brotou de seu trabalho psicoterapêutico e frutificou posteriormente num método de interpretação de sonhos bastante especializado.
Acreditava ele que a mente adormecida fazia uso de todo um conjunto de mecanismos psicológicos para vestir os desejos inconscientes de fora a escamotear  a sua verdadeira natureza.
Desvendar o significado de um sonho requeria, portanto, não apenas um conhecimento especializado de tais mecanismos, mas também um psicanalista independente do sonhador que pudesse superar as resistências deste, enxergando a verdade.
Em seu livro La Science des Rêves (“A Ciência do Sonhos”), ele diz: “Se tratarmos de interpretar os sonhos segundo as idéias que aparecem livremente na mente de quem sonha, quase nunca chegaremos a uma explicação dos símbolos. Não podemos, por motivo de crítica científica, confiar no capricho do intérprete, como fez a Antiguidade.(...) O sonho é a realização disfarçada de um desejo(sufocado, reprimido), e sua interpretação constitui o caminho real que conduz ao inconsciente da vida psíquica.”
Insistiu em que as associações do paciente com o sonho eram essenciais para a interpretação final.
Isso não somente pelo fato de as associações poderem levar à descoberta de símbolos muito pessoais, mas também porque os temas e símbolos universais são significados específicos para cada sonhador em particular. “Os sonhos parecem ter, freqüentemente, mais do que um significado. Podem não apenas incluir a realização de diversos desejos, com base em um desejo da primeira infância.”
Será, sem dúvida, esta discutida subestimação do sonho em seu conjunto, aliada ao valor atribuído às associações livres para atingir sua significação própria, o que provocará uma crítica radical de Carl Gustav Jung, psicólogo e filósofo suíço contemporâneo de Freud. Não se pode negar, porém, que a elaboração e a aceitação dos materiais associativos produzem naquele que sonha uma liberação de uma tomada de consciência. Liberação porque uma multidão de idéias ou de sensações, acerca das que o sujeito não queria ou não podia saber nada em estado de vigília, aparece, a partir de então, na consciência, unindo-se a ela; e também porque o bloqueio ou dissociação que constituem a neurose encontram, pela primeira vez, uma possibilidade de serem vencidos. É tomada de consciência porque a revelação destes fundos secretos do ser exige uma luta, uma representação, uma sublimação ou uma integração.

Jung: contra o enfoque redutivo de Freud

Já nos primeiros tempos da psicanálise, Jung rompeu com Freud no sentido de tentar desenvolver uma linha mais flexível para a terapia em geral e para a interpretação dos sonhos em particular.
Mesmo que o analista julgasse correta a sua interpretação, isso não teria valor algum a menos que o próprio paciente chegasse, sem muita pressão, a estar de acordo com ela. Numa passagem em que critica os argumentos de Freud, Jung escreveu:
“Da mesma forma que a vida humana não se limita a este ou aquele instinto básico, abrangendo, ao contrário, uma multiplicidade de instintos, necessidades(...) e fatores de condicionamento físicos  e psíquicos , os sonhos não podem ser explicados por este ou aquele elemento isoladamente , por mais simples e atraente que tal explicação pareça(...)Jamais uma teoria simplificada dos instintos será capaz de abranger toda essa coisa misteriosa e poderosa que é a psique humana, e tampouco o sonho, e sua expressão.(...) É verdade que existem sonhos que encarnam desejos e receios reprimidos; mas , em ultima instância, o que há que não possa ser encarnado pelos sonhos? Os sonhos dão expressão a verdades incontestáveis, a pronunciamentos filosóficos, a fantasias selvagens, a ilusões(...) a previsões, a experiências irracionais, até mesmo à visões telepáticas e talvez muito mais.”
A persistência em atribuir todo sonho a desejos e conflitos infantis é, segundo Jung, não somente um procedimento pouco científico, mas também algo que poderia violar a própria integridade do paciente.
Disse ainda, em seu livro L’HOMME à la Découverte de son Âme:
“Contrariamente à conhecida opinião de que o sonho não é, em essência, mais do que a realização de um desejo,eu sustento (...)que o sonho é uma auto-representação espontânea e simbólica da situação atual do inconsciente.”
Para Jung, os sonhos deveriam ser interpretados da maneira que a pessoa julgasse mais útil. O senso comum sugere que se alguém sonha com uma pessoa  bastante conhecida deve identificá-la com a pessoa da vida real. Não existe aquilo que se pode considerar uma interpretação “correta”: um sonho é interpretado com êxito  quando faz sentido para seu autor e quando pode ser usado por ele de forma construtiva.
Num ponto, contudo, Jung mostrava-se dogmático: afirmava que todo sonho se referia a uma situação atual da vida da pessoa, e não a um desejo ou fantasia do passado, como pensava Freud.  Estava convencido de que os sonhos revelavam a existência, dentro de nós, de recursos insuspeitados, de sabedoria inconsciente.
(Fonte: Uma revista velha, amassada e sem capa, portanto sem nomes e fontes)

ARQUÉTIPOS E INCONSCIENTE COLETIVO


A descoberta desta sabedoria inconsciente levou Jung a fixar sua atenção nos mitos e lendas religiosos, tentando determinar os símbolos universais mais significativos para a mente humana. Enquanto Freud encarava os mitos e sonhos a respeito da divindade como meros reflexos das primeiras experiências da criança com seus pais, ele os enxergava como manifestações do instinto interior da consciência humana, conduzindo à interpretação e ao crescimento.
Algo que particularmente o impressionava  era o fato de muitos de seus pacientes, totalmente desprovidos de convicção religiosa consciente e com pouco conhecimento sobre o assunto, sonharem com deuses em ascensão e queda, com batalhas entre anjos e diabos, com heróis divinos aniquilando monstros, etc.
Passou, então, a chamar esses grandes temas  universais de “arquétipos”, sugerindo que revelavam a existência de um fator mental, que denominou “inconsciente coletivo”, comum a toda raça humana. Assim, quando  um paciente seu mostrava-se incapaz de encontrar quaisquer associações pessoais com um tema ou imagem onírica, tentava a interpretação em termos de arquétipos, para os quais cada individuo dá sua própria configuração.
Por acreditar que o inconsciente possuía uma função “profética” ou “vidente”, Jung sempre procurou trabalhar com séries de sonhos, em vez de com sonhos isolados.
“Cada interpretação é uma hipótese”, diria ele, “uma tentativa de decifrar um texto desconhecido. É raro que um sonho, por ilhado e pouco obscuro que seja, possa ser interpretado com um mínimo de certeza. Por isso atribuo pouco peso à interpretação de um só sonho. A interpretação somente alcança uma segurança relativa no decorrer de uma série de sonhos, servindo os ulteriores para corrigir os erros a que os precedentes possam  ter induzido.
Um resultado significativo do seu trabalho foi o de abrir a possibilidade da interpretação dos sonhos às pessoas comuns, não pertencentes à atmosfera profissional das salas de consultas. Em particular aconselhava seus pacientes e leitores a meditar sobre o sonho até que despontasse o seu significado,indicando um método especial de meditação- o “diálogo interior”, onde o sonhador conversa com um de seus personagens oníricos.

Foi Gaston Bachelard quem, com sua filosofia da imaginação, descerrou de vez as portas entreabertas por Jung, restituindo à imagem a dignidade de que fora despojada pelo reducionismo freudiano. Alicerçado na admirável frase de Jacques Bousquet- “Uma imagem custa tanto trabalho para a humanidade como uma característica nova para uma planta”-, deu vida aos arquétipos descobertos pela psicologia profunda, considerando-os sublimações mais do que reproduções da realidade.
Bachelard mostra em seus livros como a imaginação onírica se apega às matérias e aos elementos, sonhando com eles, exercitando-se, através dos sonhos, para uma vida nova e dinamizando-se com se contato. E redescobre as afinidades que agrupam no inconsciente as imagens matérias em torno dos quatro elementos tradicionais: a água, o fogo, o ar e a terra.
Aqui se esboça uma psicofísica e uma psicoquímica dos sonhos capazes de adicionar às significações psicanalíticas novas dimensões oníricas: existe uma relação entre  a estrutura afetiva do homem e a física e a química das coisas; o sonho encontra-se  na encruzilhada  do movimento dialético que, transformando-as, as enfrenta sem cessar. O sonho do homem é sempre um sonho cósmico: um sonho da natureza nele e um sonho dele acerca da natureza. É o caminho que conduz ao mundo e mediante o qual se reúnem as grandes pulsações secretas do indivíduo, da espécie e do cosmos.


(Fonte: Uma revista velha, amassada e sem capa, portanto sem nomes e fontes)






Nota: Através dos sonhos é possível chegar-se à uma lucidez mesmo estando ainda sonhando. Essa lucidez nos permite fazer e “criar” coisas dentro deste “sonho”.
Para isso é preciso que se comece a lembrar dos sonhos, mantendo assim um diário com anotações dos mesmos, isso fará com que sua mente se acostume às imagens pertencentes ao plano onírico e então possibilitará o reconhecimento de um sonho quando se estiver em um.
É possível também que após esta “lucidez” e “consciência” de se estar sonhando, consiga imediatamente sair da tela onírica passando à uma viagem astral. A diferença será notada no mesmo momento, por isso é impossível que se sonhe estar numa viagem astral, porque se parecer sonho é porque é, uma viagem astral nada tem a ver com um sonho.
Os sentidos são mais intensos e a capacidade de pensar infinita.
Obs: Quando isso ocorrer deve-se manter a calma, a excitação faz com que se desperte e então cessa a experiência extracorpórea.